A dançar
segunda-feira, 27 de outubro de 2008
sexta-feira, 17 de outubro de 2008
segunda-feira, 13 de outubro de 2008
O ErmitãoQuando comecei a fotografá-lo demonstrou bastante contrariedade, e, esbravejando, entrou em sua casa. Em seguida voltou vestido e com óculos escuros e, muito simpático, disse-me que “não se pode fotografar um homem sem camisa”.
António Durão não sabe sua idade. Mora só, em uma casa construída com barro e sucatas. A base da construção é uma carcaça de automóvel. Tem planos de aumentar a edificação, a qual chama de “sua obra de arte”. A residência tem luz elétrica e televisão.
Perguntado sobre sua família, não responde.
Fez questão de ser fotografado com farto material de campanha do MPLA, ostentando um pôster do presidente José Eduardo dos Santos.
Pergunta-me se sou brasileiro. Diante de minha afirmativa, diz que também é. Pergunto-lhe onde nasceu e reponde que “em Angola, mas que é brasileiro”. Repetidas vezes, como um mantra, diz “Rio de Janeiro, Bahia, Ceará, São Luiz do Maranhão”.
Cita Glberto Gil e Lula, o qual diz ser o “presidente do povo”. Revela que Lula é angolano e que o ex-ministro “sabe muita coisa, mas não pode revelar”. Peço-lhe para explicar melhor esse impedimento quando, místico, responde: “Eles não podem saber da nossa existência!”.
António Durão não sabe sua idade. Mora só, em uma casa construída com barro e sucatas. A base da construção é uma carcaça de automóvel. Tem planos de aumentar a edificação, a qual chama de “sua obra de arte”. A residência tem luz elétrica e televisão.
Perguntado sobre sua família, não responde.
Fez questão de ser fotografado com farto material de campanha do MPLA, ostentando um pôster do presidente José Eduardo dos Santos.
Pergunta-me se sou brasileiro. Diante de minha afirmativa, diz que também é. Pergunto-lhe onde nasceu e reponde que “em Angola, mas que é brasileiro”. Repetidas vezes, como um mantra, diz “Rio de Janeiro, Bahia, Ceará, São Luiz do Maranhão”.
Cita Glberto Gil e Lula, o qual diz ser o “presidente do povo”. Revela que Lula é angolano e que o ex-ministro “sabe muita coisa, mas não pode revelar”. Peço-lhe para explicar melhor esse impedimento quando, místico, responde: “Eles não podem saber da nossa existência!”.
sexta-feira, 10 de outubro de 2008
quarta-feira, 8 de outubro de 2008
terça-feira, 7 de outubro de 2008
"Essa é do Malange!"
No píer, jeito de marinheiro, passou por mim sem me notar. Foi até a beira e sentou-se. Começou a enrolar um cigarro. Acendeu. Atraído pelo cheiro forte fui até ele. Olhar baixo, continuava a fumar. Indago se poderia fotografá-lo. Pergunta se sou da polícia. Nego. Quer saber se darei as fotos à polícia. Digo que jamais. Pergunta, então, para que as fotos. Falo que para nada, para eu guardar. Insisto na autorização. Dá de ombros. Fotografo.
Faço várias perguntas. Não diz seu nome nem nada sobre si.
Durante as fotos, eu em silêncio, resolve falar.
Conta que faz isso todos os dias. Depois de voltar do mar, fuma calmamente. “Melhora a fome e descansa”, fala. Tentando demonstrar intimidade com o assunto, digo diamba (nome pelo qual é conhecida a canabis entre os africanos). Sorri e diz que posso falar maconha, mesmo.
Sem ter o que mais falar, pergunto sobre a qualidade da erva. Dá mais uma tragada, solta a fumaça, olha para o horizonte, volta-se para mim , levanta o cigarro como num brinde e, pela primeira vez me encarando, diz apoteótico que “essa é do Malange!”*.
*província a leste de Luanda famosa pela qualidade da maconha que produz.
Faço várias perguntas. Não diz seu nome nem nada sobre si.
Durante as fotos, eu em silêncio, resolve falar.
Conta que faz isso todos os dias. Depois de voltar do mar, fuma calmamente. “Melhora a fome e descansa”, fala. Tentando demonstrar intimidade com o assunto, digo diamba (nome pelo qual é conhecida a canabis entre os africanos). Sorri e diz que posso falar maconha, mesmo.
Sem ter o que mais falar, pergunto sobre a qualidade da erva. Dá mais uma tragada, solta a fumaça, olha para o horizonte, volta-se para mim , levanta o cigarro como num brinde e, pela primeira vez me encarando, diz apoteótico que “essa é do Malange!”*.
*província a leste de Luanda famosa pela qualidade da maconha que produz.
sexta-feira, 3 de outubro de 2008
Elemental
Arlete (pronuncia-se Arlête) dançava bêbada e feliz com as amigas no Bosque, parque público de Luanda. Construído pelos portugueses, está abandonado, mas ainda revela traços sofisticados de seu projeto paisagístico. Acho que deva estar mais bonito hoje.
Quando começo a fotografar ficamos extasiados – eu, pela cor de seus olhos, ela pela minha câmera. Aproxima o rosto da objetiva e arregala o olhar. Parece em transe.
Era final de tarde e a vegetação fechada. Quase não havia mais luz. Intuí que o verde de seus olhos ganharia magnitude em plena claridade. Convidei-a a caminhar comigo em busca de luz. Deu-me o braço. Esperava encontrar um “buraco” por entre as copas das árvores que permitisse a passagem de um foco de luz suficiente apenas para iluminar seu rosto. Achei (dá para ver o reflexo na íris). E o resultado foi esse, a foto acima.
Quando começo a fotografar ficamos extasiados – eu, pela cor de seus olhos, ela pela minha câmera. Aproxima o rosto da objetiva e arregala o olhar. Parece em transe.
Era final de tarde e a vegetação fechada. Quase não havia mais luz. Intuí que o verde de seus olhos ganharia magnitude em plena claridade. Convidei-a a caminhar comigo em busca de luz. Deu-me o braço. Esperava encontrar um “buraco” por entre as copas das árvores que permitisse a passagem de um foco de luz suficiente apenas para iluminar seu rosto. Achei (dá para ver o reflexo na íris). E o resultado foi esse, a foto acima.
quarta-feira, 1 de outubro de 2008
terça-feira, 30 de setembro de 2008
segunda-feira, 29 de setembro de 2008
Pele
Anacleto Dias é morador do “Hotel Cave”, conjunto de casarões em ruínas ocupado por muitas famílias. No dia em que nos encontramos, passávamos eu e João, jornalista e amigo brasileiro, pela Mutamba, região central de Luanda, quando nos deparamos com a precária subida de cascalho que leva até as moradias. Do alto do morro um grupo acenava em nossa direção, aparentemente fazendo algum convite. Entre hesitantes e curiosos, resolvemos subir.
Todos tomavam cerveja e nos ofereceram. Foram muito receptivos.
Conversamos sobre política e esportes. Anacleto era dos mais entusiasmados. Demonstrando ser bastante informado, deu-me uma verdadeira aula sobre basquete e futebol. Conhece a trajetória de todos os atletas brasileiros desses esportes pelos times dos EUA e Europa. Fala de cada um com intimidade. Digo a ele que estou muito impressionado com o grau de informação que revela. Ele, tímido e sorridente, diz que sente o mesmo, mas pela minha ignorância. “Nem parece brasileiro”, diz. Falo que me deixou envergonhado. Não se contém e dá muitas risadas.
Quando o assunto é política fica sério. Diz ser partidário da Unita, como a maioria dos moradores do local. A Unita é o principal e praticamente único partido de oposição. Travou sangrenta luta contra o MPLA, logo após a independência do país, em 1975. Foram 28 anos de guerra, mortes e muita destruição. Por histórias semelhantes passaram quase todos os países da África negra.
É muito raro encontrar em Luanda quem assuma simpatia pela Unita. A polaridade entre os dois partidos, para muitos, ainda significa sangue. O MPLA, partido que governa o país desde a fundação do Estado angolano, cujo governo mantém total controle sobre os meios de comunicação, faz intensa campanha para demonizar o rival. O Jornal de Angola, único periódico diário do país, é estatal. O presidente José Eduardo dos Santos, no poder há 29 anos, está quase todos os dias na primeira página. Recebe tratamento entre messiânico e faraônico.
Quando cheguei ao cortiço, Anacleto estava sem camisa. Ao pedir para fotografá-lo tratou rapidamente de por uma camiseta. Disse-lhe que continuasse como estava. Achava mais bonito. Com olhar de estranhamento, aceitou.Durante a sessão de fotos indaguei sobre a ausência de material visual da Unita. Lenços, camisetas, bonés, chaveiros e bandeiras do MPLA são moda pelas ruas de Luanda. Respondeu-me que MPLA é para fora e, batendo com o punho fechado no peito, que “a Unita é aqui dentro”.
Todos tomavam cerveja e nos ofereceram. Foram muito receptivos.
Conversamos sobre política e esportes. Anacleto era dos mais entusiasmados. Demonstrando ser bastante informado, deu-me uma verdadeira aula sobre basquete e futebol. Conhece a trajetória de todos os atletas brasileiros desses esportes pelos times dos EUA e Europa. Fala de cada um com intimidade. Digo a ele que estou muito impressionado com o grau de informação que revela. Ele, tímido e sorridente, diz que sente o mesmo, mas pela minha ignorância. “Nem parece brasileiro”, diz. Falo que me deixou envergonhado. Não se contém e dá muitas risadas.
Quando o assunto é política fica sério. Diz ser partidário da Unita, como a maioria dos moradores do local. A Unita é o principal e praticamente único partido de oposição. Travou sangrenta luta contra o MPLA, logo após a independência do país, em 1975. Foram 28 anos de guerra, mortes e muita destruição. Por histórias semelhantes passaram quase todos os países da África negra.
É muito raro encontrar em Luanda quem assuma simpatia pela Unita. A polaridade entre os dois partidos, para muitos, ainda significa sangue. O MPLA, partido que governa o país desde a fundação do Estado angolano, cujo governo mantém total controle sobre os meios de comunicação, faz intensa campanha para demonizar o rival. O Jornal de Angola, único periódico diário do país, é estatal. O presidente José Eduardo dos Santos, no poder há 29 anos, está quase todos os dias na primeira página. Recebe tratamento entre messiânico e faraônico.
Quando cheguei ao cortiço, Anacleto estava sem camisa. Ao pedir para fotografá-lo tratou rapidamente de por uma camiseta. Disse-lhe que continuasse como estava. Achava mais bonito. Com olhar de estranhamento, aceitou.Durante a sessão de fotos indaguei sobre a ausência de material visual da Unita. Lenços, camisetas, bonés, chaveiros e bandeiras do MPLA são moda pelas ruas de Luanda. Respondeu-me que MPLA é para fora e, batendo com o punho fechado no peito, que “a Unita é aqui dentro”.
O Comunista
Paulo Jorge tem 79 anos. Integra o MPLA (Movimento Popular Para a Libertação de Angola, partido que está no poder desde a independência do país, em 1975) praticamente desde sua fundação, em 55. A partir desta época militou na clandestinidade em células revolucionárias em Lisboa. Recebiam apoio e instruções do Partido Comunista Português. Ali começava a revolução.
Nos anos 1960, de volta a Angola, engajou-se na nas frentes de batalha que lutavam contra os portugueses nas províncias de Cabinda e Moxico.
Formou o primeiro governo do atual Estado angolano, ao lado do líder revolucionário e primeiro presidente, Agostinho Neto. Foi ministro das relações exteriores.
Quando me encontrei com ele, usava um costume com túnica a Mao Tsé-Tung. Soube depois que tem várias iguais e jamais foi visto com outra vestimenta. Achei que não existiam mais pessoas assim.
Hoje, ainda um ardoroso militante do partido, faz parte da “nomemklatura”. É um dos 281 membros do Comitê Central do MPLA, membro do Birô Político do MPLA, membro do secretariado do Birô Político do MPLA, e também secretário do Birô Político do MPLA para relações internacionais (ufa!).
Comunista convicto, parece não se importar com o fato de Angola estar totalmente inserida na economia global de mercado.
Nas fotos como a de cima, estava carrancudo. Pedi-lhe que sorrisse ao menos em algumas. Ríspido, disse-me que um comunista nunca sorri. Alertei-o de que atrás dele havia um Agostinho Neto com um sorriso exuberante. Não se conteve, mas rapidamente se recompôs. Foi a única que fiz.
No final da sessão de fotos, um pouco extenuado, perguntou-me impaciente porque tantas. Brinquei dizendo que, como o fotógrafo não é bom, era necessário fazer muitas para que pelo menos uma ficasse boa. Respondeu-me severo: “Nunca se esqueças que a humildade não é uma virtude”.
sábado, 27 de setembro de 2008
Cota 50
Paulino Damião, repórter fotográfico, 35 anos de carreira, todos no Jornal de Angola. Agora, no Jornal de Economia e Finanças. Meu inseparável guia pelas ruas de Luanda. Não há lugar onde não seja reconhecido e festejado. Expliquei-lhe por que digo sempre nessas situações que ele é mais conhecido do que nota de um real. Fica orgulhoso.
Em 1963, o pai caminhando pelas matas de Nambuangongo, província do Bengo, deparou-se com as tropas coloniais portuguesas. Foi fuzilado. Ele, feito prisioneiro aos 14 anos. Ainda em poder dos portugueses, teve a mãe morta por bombardeios aéreos dois anos depois. Certa vez, estando nós fotografando na Fortaleza, edificação histórica de onde se avista toda a baía de Luanda e hoje abriga um museu da luta pela independência, pedi a ele que subisse num dos velhos aviões militares ali expostos para fotografá-lo. Subiu, e sorridente disse-me que um daqueles matara boa parte de sua família.
Separado, mora em Chicala, área de ocupação sobre aterro feito junto à baia. Com ele vivem os quatro filhos (“nunca tive filhos fora”, diz) , nove netos e três sobrinhas. Entre os filhos, o artista plástico Lino Damião, convidado para participar da bienal de Cape Town, África do Sul. Pergunto quantas namoradas tem. Tímido, se enrola na conta. Damos muitas risadas.
Sua chegada é sempre muito esperada na redação. Traz “jinguba” (amendoim) torrada todos os dias.
Durante o tempo em poder do exército português, por ser ainda “miúdo”, ficava entre os militares que ele chama de artistas – músicos, pintores, redatores, fotógrafos. Ironicamente, foi no campo de guerra que descobriu sua paixão. Nunca mais parou de fotografar.
Em 65, como ainda não tinha idade para ir para um presídio regular, foi enviado a Luanda aos cuidados de um tio que logo em seguida também morreu. Só reencontrou os familiares sobreviventes em 75, com o fim da guerra pela independência.
Estudou fotografia por correspondência no Instituto Universal Brasileiro e na Escola Álvaro Torrão, de Portugal. No auge do P&B teve estúdio e laboratório no Largo da Portugália, centro de Luanda. Sem saudosismos, gosta muito da instantaneidade da foto digital. Adora mostrar o resultado no visor de sua câmera.
Em 80 foi enviado a Moscou para cobrir a olimpíada. Era o único fotógrafo negro credenciado para os jogos olímpicos, conta. Conhece quase toda a África subsaariana.
Eu desembarquei em Luanda numa manhã de segunda feira. Ao meio dia já estava na redação (ou o que viria a ser a redação do Jornal de Economia). Foi o primeiro angolano a quem fui apresentado. Estava ansioso pela minha chegada. Em seguida saímos. Foi ao seu lado que fiz minha primeira foto em Angola, no Largo do Kinaxixe, centro de Luanda. Quando a luz caiu fomos à Fanta, localidade onde se encontra um grande edifício inacabado, ainda da época dos portugueses, ocupado por moradores carentes. Um grande cortiço vertical. Lá, no bar da Marli, uma birosca bem simpática onde numa TV empoeirada passava novela brasileira, fui por ele apresentado à Cuca, cerveja nacional e popular, orgulho dos Angolanos, mas tida como bebida sem sofisticação. Suave, levemente adocicada, adorei. Só tomo outra quando não há Cuca.
O codinome “50” ganhou no começo da carreira. Cobria jogos de futebol apenas com uma lente de 50 mm, pois era a única que possuía, quando os outros fotógrafos, já nesta época, usavam longas teleobjetivas. “O fotógrafo da “50”, assim se referiam a ele aqueles que não sabiam seu nome”. Assim ficou.
O “cota” do título é uma expressão muito usado em Angola como pronome de tratamento. Algo como o nosso “senhor”. Sr. 50.
Ardoroso defensor do MPLA (“Empélá”, como dizem aqui), partido majoritário e que está no poder desde a fundação do Estado angolano, em 75. O atual presidente é apenas o segundo e já está no poder há 29 anos.
Hoje é metodista.
Abstêmio, a todo momento pergunta-me: “Queres uma Cuca?
Quando viu minhas primeiras fotos para uma matéria do jornal, uma sessão de retratos da diretora de uma empresa de locação de veículos de luxo, disse que era foto publicitária. Conversamos longamente sobre os cada vez mais tênues limites entre a foto jornalística e a publicitária. Convenci-lhe de que me sentia em paz com o leitor, já que tudo o que fica aparente nas minhas fotos é verdade. Apenas agrupo os elementos de composição numa ordem própria. Achou divertido, na sessão de fotos, a “bagunça” que causamos na empresa com a movimentação dos carros.
Recentemente, confidenciou-me que aprendera muito comigo. Devolvi dizendo que eu, sim, é que aprendera muito com ele. Incrédulo, desafiou-me a dizer o que. Perdi um precioso tempo tentando lembrar-me de algum aspecto propriamente fotográfico, técnico, em vão, quando veio-me à alma o entendimento de que ele havia restaurado em mim não só o desejo pela fotografia, como pela vida. Foi o que eu lhe disse.
Em 1963, o pai caminhando pelas matas de Nambuangongo, província do Bengo, deparou-se com as tropas coloniais portuguesas. Foi fuzilado. Ele, feito prisioneiro aos 14 anos. Ainda em poder dos portugueses, teve a mãe morta por bombardeios aéreos dois anos depois. Certa vez, estando nós fotografando na Fortaleza, edificação histórica de onde se avista toda a baía de Luanda e hoje abriga um museu da luta pela independência, pedi a ele que subisse num dos velhos aviões militares ali expostos para fotografá-lo. Subiu, e sorridente disse-me que um daqueles matara boa parte de sua família.
Separado, mora em Chicala, área de ocupação sobre aterro feito junto à baia. Com ele vivem os quatro filhos (“nunca tive filhos fora”, diz) , nove netos e três sobrinhas. Entre os filhos, o artista plástico Lino Damião, convidado para participar da bienal de Cape Town, África do Sul. Pergunto quantas namoradas tem. Tímido, se enrola na conta. Damos muitas risadas.
Sua chegada é sempre muito esperada na redação. Traz “jinguba” (amendoim) torrada todos os dias.
Durante o tempo em poder do exército português, por ser ainda “miúdo”, ficava entre os militares que ele chama de artistas – músicos, pintores, redatores, fotógrafos. Ironicamente, foi no campo de guerra que descobriu sua paixão. Nunca mais parou de fotografar.
Em 65, como ainda não tinha idade para ir para um presídio regular, foi enviado a Luanda aos cuidados de um tio que logo em seguida também morreu. Só reencontrou os familiares sobreviventes em 75, com o fim da guerra pela independência.
Estudou fotografia por correspondência no Instituto Universal Brasileiro e na Escola Álvaro Torrão, de Portugal. No auge do P&B teve estúdio e laboratório no Largo da Portugália, centro de Luanda. Sem saudosismos, gosta muito da instantaneidade da foto digital. Adora mostrar o resultado no visor de sua câmera.
Em 80 foi enviado a Moscou para cobrir a olimpíada. Era o único fotógrafo negro credenciado para os jogos olímpicos, conta. Conhece quase toda a África subsaariana.
Eu desembarquei em Luanda numa manhã de segunda feira. Ao meio dia já estava na redação (ou o que viria a ser a redação do Jornal de Economia). Foi o primeiro angolano a quem fui apresentado. Estava ansioso pela minha chegada. Em seguida saímos. Foi ao seu lado que fiz minha primeira foto em Angola, no Largo do Kinaxixe, centro de Luanda. Quando a luz caiu fomos à Fanta, localidade onde se encontra um grande edifício inacabado, ainda da época dos portugueses, ocupado por moradores carentes. Um grande cortiço vertical. Lá, no bar da Marli, uma birosca bem simpática onde numa TV empoeirada passava novela brasileira, fui por ele apresentado à Cuca, cerveja nacional e popular, orgulho dos Angolanos, mas tida como bebida sem sofisticação. Suave, levemente adocicada, adorei. Só tomo outra quando não há Cuca.
O codinome “50” ganhou no começo da carreira. Cobria jogos de futebol apenas com uma lente de 50 mm, pois era a única que possuía, quando os outros fotógrafos, já nesta época, usavam longas teleobjetivas. “O fotógrafo da “50”, assim se referiam a ele aqueles que não sabiam seu nome”. Assim ficou.
O “cota” do título é uma expressão muito usado em Angola como pronome de tratamento. Algo como o nosso “senhor”. Sr. 50.
Ardoroso defensor do MPLA (“Empélá”, como dizem aqui), partido majoritário e que está no poder desde a fundação do Estado angolano, em 75. O atual presidente é apenas o segundo e já está no poder há 29 anos.
Hoje é metodista.
Abstêmio, a todo momento pergunta-me: “Queres uma Cuca?
Quando viu minhas primeiras fotos para uma matéria do jornal, uma sessão de retratos da diretora de uma empresa de locação de veículos de luxo, disse que era foto publicitária. Conversamos longamente sobre os cada vez mais tênues limites entre a foto jornalística e a publicitária. Convenci-lhe de que me sentia em paz com o leitor, já que tudo o que fica aparente nas minhas fotos é verdade. Apenas agrupo os elementos de composição numa ordem própria. Achou divertido, na sessão de fotos, a “bagunça” que causamos na empresa com a movimentação dos carros.
Recentemente, confidenciou-me que aprendera muito comigo. Devolvi dizendo que eu, sim, é que aprendera muito com ele. Incrédulo, desafiou-me a dizer o que. Perdi um precioso tempo tentando lembrar-me de algum aspecto propriamente fotográfico, técnico, em vão, quando veio-me à alma o entendimento de que ele havia restaurado em mim não só o desejo pela fotografia, como pela vida. Foi o que eu lhe disse.
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